terça-feira, 31 de março de 2015

Por uma teologia para além da função pastoral

A teologia não encontra lugar somente na igreja. O mundo passa por grandes transformações (econômicas, sociais, antropológicas, sexuais e etc.), portanto com alta freqüência, surgem questões importantes. Como agentes e vitimas das transformações, as pessoas precisam de respostas.

No Brasil existe um número elevado de Seminários, todavia, muitos destes olham apenas para dentro da igreja, pensando principalmente em estratégias de crescimento numérico. É claro que isso diminui o papel da teologia, uma vez que esta é dotada de pensamento critico e transformador, que muitas vezes encontra uma forte resistência na própria liderança eclesiástica, pois ela, a teologia, reflete, com pensamento critico (entenda-se como um pensamento que leva a reflexão, a fim de transformar o meio), suas práticas.

É importante avaliar o nível de exigência aplicado aos cursos de teologia. Muitos dos futuros bacharéis já exercem a função pastoral, e por causa dela - ou pela desculpa honrosa que a ela é atribuída – são apenas participantes de tais cursos, se furtando, muitas vezes, de se entregarem ao pensamento critico, mas às vezes, construtivo, que freqüentemente ocorre nas discussões propostas em sala de aula. Em muitas situações, a própria instituição leva em consideração todo o “fardo” do aluno e releva a displicência de alguns. O aluno lê, mas não é estimulado a construir teologia (pensar hermeneuticamente). Quando muito, o foco da teologia está na igreja, e não na sociedade como um todo.

Penso que o pastoreio tem haver com a função, ou vocação. Alguns são vocacionados, outros apenas exercem o pastorado, mas certamente os pastores dedicarão o tempo necessário para as questões que seu chamado lhe impõe. Teólogo é quem escreve, pensa e pratica a teologia, reflete sobre a aplicação da teologia na igreja e também em toda sociedade (dentro e fora da Eclésia). Tanto o pastor quanto o teólogo precisam dialogar com a sociedade.

Ao olhar o quadro, percebo que os seminários têm condições de formarem bacharéis em teologia, mas não formam pastores. O pastor está tirando as ovelhas do curral e indicando o caminho a ser seguido... todavia, para isso é necessário ser bem instruído, conhecedor das Escrituras e nisto não há lugar melhor do que os seminários.

Como uns dos degraus a serem vencidos os cursos de Graduação em Teologia não exercem com eficiência sua função, pois enquanto alunos, os futuros pastores deveriam caminhar pelas vias históricas da Teologia, entendendo os conceitos e teorias, sabendo interpretar as Escrituras tendo apenas ao seu lado o ponto de vista bíblico, puro, não revestido, livre da tentação da influência denominacional. Aprendam a respeitar os pontos de vistas teológicos que diferem do seu, e que saibam argumentar uma crença especifica. Que enfrentem os problemas teológicos históricos e críticos, com mente aberta e que criem discursos para esclarecer os fundamentos principais da fé cristã. Saibam manejar adequadamente a própria Bíblia; que tenham intimidade com as Ciências Humanas para a reflexão teológica; que tenham as introduções mínimas às questões de prática pastoral. Portanto, Cursos de Graduação em Teologia devem formar Bacharéis em Teologia.

Segundo o senso comum eclesiástico, fica a idéia que para pastorado é necessário somente a pratica. Agora, não devemos esquecer que é possível aplicar a teologia. Ela é colocada em pratica nas tarefas diárias a que pastores são submetidos. O que muitos não levam em consideração, é que os temas teológicos também são desenvolvidos a partir da observação da prática. No senso comum, prática significa fazer, o contrário da teoria, que significa pensar e não fazer. Ainda no senso comum, pessoas práticas são aquelas que, mediante sua experiência de vida, resolvem problemas reais e agem com certa eficiência; pessoas teóricas são aquelas que discutem problemas intelectuais, mas são incapazes ou incompetentes ao agir – reza o ditado popular: “na prática, a teoria é outra”. Essa é uma visão pobre da pratica, e é uma das causas da rejeição ao pensamento teórico teológico nas igrejas. Há uma idéia de que em seminários olhamos apenas para teoria e que o aluno aprende mesmo na pratica, ou seja, no cotidiano de sua igreja. A verdade é que se pode aprender péssima teoria em seminários e péssima pratica nas igrejas.

Penso que não devemos tratar os cursos de Graduação como lugares em que o postulando ao pastorado freqüenta com a finalidade de se tornar pastor. Agora é fato de que do quadro discente sairão vocacionados, que seguirão em sua formação, seja ela prática ou teórica, até sua ordenação ou após ela. Prefiro pensar ainda que enquanto esse vocacionado estiver em um seminário, ainda é um bacharelando em Teologia, e enquanto tal deve estudar e se aprofundar em Teologia, que será indispensável à função pastoral. É óbvio que em um curso teológico que se preze toda a carga teórico-prático que diz respeito à função pastoral será introduzida, mas a ênfase deve ser formar Bacharéis em Teologia e se possível, teólogos.

Como já disse anteriormente, após a conclusão do curso, teremos bacharéis em teologia, mas para ser teólogo, será necessário escrever, pensar, refletir e praticar a teologia na igreja e também na sociedade.

É claro que a Teologia está a serviço da igreja, mas ela deve estar presente também nas discussões da sociedade. Serve para orientar dentro e fora da comunidade cristã.  Ela também é discurso, ação comunicativa, atividade de comunidades e não de indivíduos isolados e, como tal, se constrói a partir de diálogo e de reflexão. É preciso superar a noção de que teologia só é feita por “profissionais” que se isolam da comunidade e vivem em meio a livros, textos e computadores. O papel de teólogos é partilhar a reflexão, estimular o pensamento e a ação crítica e construtiva. Como discurso sobre a ação cristã, o sujeito privilegiado da Teologia é a comunidade cristã em ação no mundo, para a qual a Teologia servirá como meio e expressão de discernimento simultaneamente crítico e construtivo.

A Teologia serve também para situar, orientar as igrejas no espaço público, onde é formada a opinião pública, discutindo assuntos que atingem a todos, levando a sociedade a construir bases que são aliadas a vontade de Deus e não somente à dos homens.

A maior parte das instituições eclesiásticas, assim como seus ministros, não se revelam férteis no tocante à teologia, deixando-a quase que totalmente alocada às instituições de educação teológica e por isso, se disseminou a falsa idéia de que onde muito se estuda a teologia, pouco se forma em termos espirituais. O muito estudo nada tem de errado quanto à espiritualidade do ser humano. Por este motivo, vemos muitos pastores repetindo dogmas (o que se pensa é a verdade – talvez uma convicção errada de conceitos bíblicos), sem, contudo, refletir no que está repetindo, não se atentando para erros doutrinários. Ou dizendo palavras de “Deus” sem nenhuma revelação bíblica e totalmente fora de contexto, pois nada aprendeu sobre hermenêutica bíblica, dando ênfase total ao subjetivo, deixando a responsabilidade para sua interpretação.

É obvio que há excelentes pastores, com um caráter aprovado, dignos do chamado, e que nunca entraram em um seminário. Muitos, pela graça de Deus, conhecem as Escrituras. Muitos ainda aprenderam conceitos e teorias lendo livros de teólogos renomados, sem os quais o trabalho pastoral seria ainda mais difícil, pois foi o pensar teologia que trouxe a rica e vasta literatura que possuímos hoje e que sem ela muitas coisas ficariam sem sentido, pois não se teria seu real significado. Outros influenciados por grandes homens e mulheres de Deus, que ainda hoje, derramam de seu conhecimento e unção capaz de transformar a vida de muitas pessoas. Esses pastores são exemplos para muitos, mas trata-se de exceção.

Na efetiva formação pastoral, também deve ser levado em alta consideração a formação teológica, bem como de suas respectivas especializações do que diz respeito à função e vocação do pastor, mas acima de tudo, deve-se respeitar o Chamado, que antes de qualquer curso teológico, vêm do próprio Deus. Todavia, não é ideal imaginar-se pastor, sem um conhecimento bíblico centrado e convincentemente cristão, teoria esta que a teologia propõe-se entregar.

Como já citei anteriormente, a teologia não está rendida ao pastoreio, ela também pode ser pública, assim como outros saberes que visam não só explicar a realidade, mas transformá-la. Deve ser feita enquanto participante do espaço público, ou da esfera pública. Ela é pratica, na medida que primeiro ela tem o compromisso com o Cristo Vivo, com o serviço cristão no mundo, com a ação da igreja em todas as esferas. Ao mesmo tempo, porém, é discurso construtivo, pois não está presa apenas em descobrir e apontar erros. Através dela pretende responder positivamente à ação de Deus, que tudo criou e a tudo traz vida, visando levar as comunidades a se reconciliar com Deus que está presente e atuante em nosso meio. 

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Artigo escrito por Leandro Rodrigues | dia 02 de Dezembro de 2014
Leandro Rodrigues é formado em Teologia pelo SETAL (turma de 2010)
Artigo escrito para 2° Encontro de Alunos e Ex-Alunos do SETAL

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